Os que vivis seguros. Em vossas cálidas casas
Os que os encontrais, ao voltar tarde,
A comida quente e os rostos amigos:
Considera se é um homem
Quem trabalha no lodo,
Quem não conhece a paz
Quem luta pela metade de um pãozinho,
Quem more por um sim ou um não.
Considera se é uma mulher.
Quem não tem cabelos nem nome
Nem forcas para lembra-o
Vazia a mirada e frio o colo
Como uma rã invernal
Pensa que isto tem acontecido:
Os encomendo estas palavras.
Grava-as em vossos corações.
Ao estar em casa, ao ir pela rua,
Ao deitar, ao se levantar;
Repeti-as aos vossos filos.
Ou que vossa casa se estremeça
A enfermidade os impossibilite
Os vossos descendentes os virem o rosto

(Primo Levi, Si esto es un hombre, 1947, negrito nuestro)

 

Introdução

O uso de mediadores terapêuticos nos grupos mostra-se, cada vez mais um recurso de trabalho necessário quando as condições que vivem os sujeitos no grupo dificultam o acesso à palavra ou ao simbólico, devido, fundamentalmente, a situações traumáticas. As quais se definem como rupturas repentinas que produzem câmbios no transcurso da vida, e que são provocadas por acontecimentos internos ou externos sentidos como um derrubamento ou uma catástrofe. Estes acontecimentos violentos tem sua origem em condições singulares (sociais, politicas, econômicas) desestabilizadoras, e em desastres da natureza. Violência que geralmente precisa ser silenciada, apagada para não deixar marcas ou simular, aparentar que ainda se é home, ou se tem forca, se é potente, se tem valor. Quando Primo Levi (1947) se pergunta Isso é um homem? Prenuncia que o século XX não destronou dinastias ou ditadores, destronou ao homem de sua condição de humanidade. Neste contexto, o termo “humanidade” significa poder mirar e escutar ao outro na sua singularidade, poder mirar e escutar ao outro sem ser indiferente a sua dor, a sua alegria, a seu temor a seu afeto. Significa poder dizer, poder transmitir, poder repetir para os filhos o vivido, para evitar o derrubamento[1]. Este “poder dizer” se produz quando a condição de amor o permite, quando, ao mirar ao outro, me vejo no seu rosto e quando este outro, ao sustentar minha mirada, pode captar, embalar minha dor e dizer estou aqui contigo. O grupo permite e facilita que a experiência pode ser compartilhada, acolhida e amparada. E, quando a palavra está silenciada, as mediações terapêuticas que apresentamos neste trabalho propiciam que a palavra calada encontre maneiras de ser dita, e evitar assim o derrubamento.

A contemporaneidade, caraterizada pela irrupção de situações desestabilizadoras, fragiliza e fragmenta ao individuo. O sentimento de não adequação, a sensação de falta de espaços de pertencimento, de contenção, a impossibilidade de expressar os sentimentos, a instabilidade dos laços, a ausência de solidariedade entre os indivíduos evidenciam, em alguns casos, uma dificuldade e, em outros uma impossibilidade de poder representar e simbolizar as vivências provocadas pelas súbitas mudanças. Em circunstancias de impacto, de repentinas transformações, com frequência, se observa que os sujeitos sentem-se impedidos de nomear o vivido, e a dor pode descompensar ou surgir como sintoma no corpo. A palavra, assim silenciada é vitima do terror. Nestes casos, oferecer uma experiência grupal, um espaço de acolhimento[2] com o uso do pictograma grupal, aqui proposto permitiria que os sujeitos pudessem reconhecer pontos de fratura, elaborar a situação traumática vivida, encontrar saídas possíveis, e transformar a dor em um momento produtivo e criativo.

Outro aspecto observado é a rapidez das mudanças, a ênfase no sucesso, na aquisição de metas que produz e valoriza àquele que se ajusta com o perfil da “excelência” e descarta quem não se adeque a esse padrão. A maquinaria da produtividade e a eficiência própria do taylorismo estão bastante arraigadas e é cada vez mais sofisticada. Evidentemente, esta condição produz uma grande dificuldade para que um sujeito possa formar parte de um coletivo, participar e transformar seu entorno. Desde o âmbito laboral se observa que se trabalhar é fonte de prazer e também de sofrimento, hoje parece prevalecer o sofrimento do sujeito no trabalho. Dejours (2009) aponta alarmante cifra de suicídios no local de trabalho nas ultimas décadas[3]. Observa que a partir de 2007, se inicio uma campanha de divulgação de suicídios em algumas indústrias importantes como a Renault, Peugeot, a Télécon, entre outras. Uma leitura possível é o incremento das pressões coorporativas, organizacionais, assim como a irremediável descompensação do sujeito que se sente sem saídas possíveis, e que, ao se suicidar, deixa impregnado o espaço de trabalho.

Uma leitura possível é o incremento das pressões coorporativas, organizacionais, assim como a irremediável descompensação de um sujeito, que se sente sem saídas possíveis e que ao se suicidar, deixa impregnado o espaço de trabalho com a marca de que a organização é fonte de desprazer e destruição. Para o autor, todo ato humano tem um endereçamento, e entende que, o suicídio sobrevém como resposta ao sentimento de desqualificação e de não reconhecimento. O reconhecimento permitiria transformar o sofrimento em prazer no trabalho (Dejours, C., 2010, p. 41). Outro aspecto que cabe denotar é que nas organizações, cada vez mais, se encontram sujeito que, sem chegar ao suicídio, são vítimas de sofrimentos psíquicos, afetados por acidentes inexplicáveis, sintomas psicossomáticos, depressões que lhes impede produzir e se enquadrar no padrão de excelência exigido (produtividade, liderança, eficiência, pontualidade, competitividade, prontidão, criatividade, entre outros). Neste sentido, o mundo do trabalho, talvez, seja um dos espaços mais afetados pela contemporaneidade. A identidade afincada no passado em uma função profissional hoje exige sujeitos maleáveis, funcionais, dispostos a construir e reconstruir continuamente sua identidade profissional.

Neste trabalho, nos interessa destacar em particular ao trabalhador da saúde mental, que não é apenas afetado pela organização, as condições laborais, as exigências de produtividade e, si fundamentalmente por cuidar de quem sofre psiquicamente. Estes trabalhadores se enfrentam com pacientes e familiares que frequentam os serviços públicos com exigências e demandas não sempre possíveis de serem resolvidas, com dificuldades em aceitar os próprios limites de um enquadre de trabalho, com atitudes que revelam usos perversos do serviço e que, perante a impotência vivida, colocam ao trabalhador e ao serviço como responsáveis em resolver a vida do paciente. É muito mais fácil que a impotência seja revelada através de atuações desprovidas de elaboração ou compreensão, com descompensação e manifestações de hostilidade. O trabalhador também é pressionado por instâncias jurídicas, escolas, albergues de crianças que, no lugar de atuar como redes de apoio, muitas vezes, funcionam para culpar os serviços de saúde mental, ou qualifica-os de ineficientes ou incompetentes. Deslindar aspectos de manejo clínico e institucional nestas circunstancias é obviamente, necessário, mas é preocupante constatar que parecem perfilar-se sujeitos com cada vez menores condições de elaboração psíquica. Uma experiência recentemente narrada por profissionais de um ambulatório de saúde mental, para os quais ainda estava muito próxima a lembrança do assassinato em serie, de alunos de uma escola no Rio de Janeiro, relatam os momentos de terror que viveram quando, um paciente, que acabava de ter sido dado de alta de uma internação em um pronto socorro foi derivado ao ambulatório, e ao chegar entrou na sala do medico psiquiatra que o atendia, lhe deu um golpe que o deixou desmaiado, e a seguir saiu para a rua e quebrou o espelho do carro de um dos profissionais. Depois desta sequencia de atuações no espaço institucional, quando chega a policia se acalma e diz para si mesmo, repetindo: “não quero ser internado” “não passou nada”.

Kaës (2007, 2008) destaca a maneira como as novas patologias estão marcadas por um precário trabalho do pré-consciente e das funções intermediarias. Esta constatação leva a pensar que se requer introduzir recursos ou instrumentos que permitam abordar ao sujeito e ao grupo através de outros médios, que facilitem restaurar as funções intermediarias através de recursos lúdicos, mediadores entre o interno e o externo, entre o individual e o social, entre o singular e o plural.  Recursos que mediam o acesso a uma que palavra que seja “bem-dita” [4], significada e por via da associação, re-significada. Uma palavra que possa contornar o impacto do susto, do sofrimento, da dor, o inominável daquilo vivido com horror. Embora seja inegável o valor da palavra descoberta pela psicanálise, à experiência com pessoas vítimas de situações traumáticas, mostra que a palavra é calada, silenciada. Freud introduz um modelo de cura que se dá através da palavra e a associação livre que manifesta por via da palavra o inconsciente. Ele cria o método psicanalítico e descobre processos primários e processos secundários. Outras observações como os atos falhos mostram atenção que Freud dá ao ato como manifestação de conteúdos inconscientes. Será também por esta via que ele vai reconhecer marcas do inconsciente nos atos humanos.

Cabe ressaltar, que a pesar da psicanalises inicialmente fosse um recurso para “tratar” ao enfermo dos “nervos”, o maior legado que Freud deixa é o método psicanalítico, que tem como principio associação livre, a escuta em atenção flutuante em uma relação de transferência e contratransferência. Será a psicanalise com crianças e com psicóticos o que determinara reconhecer outras formas representação que não utilizam exclusivamente o dizer, o entre-dizer, inter-dizer próprios da palavra dita para um outro, ou outros. Desta maneira, pode se afirmar que a pratica psicanalítica com crianças, psicóticos e grupos enriquecem, já que indaga e aprofunda conceitos esboçados em Freud. Estas transformações na técnica ocorrem em dois sentidos: 1) a prioridade da palavra dita ao valor de outras maneiras de simbolizar, representar com o uso do brincar, modelar, pintar, desenhar; e 2) a relevância da relação intersubjetiva para o trabalho analítico, em especial nos enquadres vinculares.

Moustapha Safouan, (1982) no seu livro O inconsciente e seu escriva se pergunta sobre as origens da escrita e afirma que “ali onde há linguagem, há necessariamente uma forma de escrita”. O pictograma antecede à escrita e se denomina “escritura sintética”. A pictografia é produzida para ser lida: “em uma palavra, a pictografia não simboliza ideias, mas transmite frases, enunciados” (Safouan, M., 1985, p. 31). Os desenhos, os traços que compõe um pictograma são como a escrita de uma frase realizada com palavras, as imagens desenhadas lembram o sonho com sua polifonia de sentidos. Trabalhar o pictograma como Freud ensina a trabalhar um sonho é uma tarefa difícil, já que o desenho foi utilizado como uma técnica projetiva, e com critérios constantes de evacuação, padronizado com parâmetros que estabelecem correspondências entre traços e significados. Utilizar o pictograma como um sonho, contextualiza-o numa relação transferencial e trabalha-o como material inconsciente é uma tarefa iniciada por Morgenstern (1937), Dolto (1939), Winnicott (1949) no trabalho com crianças. De outro lado, Sami-Ali (1974) utiliza o desenho com adultos no contexto de entrevistas livres com mulheres em uma prisão. Para este autor, a folha em branco seria um convite para que múltiplas estruturações e representações possam surgir (Sami-Ali, 2001, p. 81).

O desenho produzido em grupo é denominado pictograma grupal,devido a ser uma representação que transmite significados e sentidos, como as frases de um texto escrito. Denomina-se pictograma grupal, aos desenhos ou imagens pictográficas produzidas coletivamente, dentro de um enquadre psicanalítico vincular, e que são escutados e abordados como frases ou palavras. O pictograma permitiria aceder a representações de conteúdos inconscientes suprimidos, recalcados o forcluidos. É provável que, em época pré-histórica, o homem das cavernas produzisse seus pictogramas – desenhos deixados nas cavernas que retratam a vida, a caça, a colheita, os rituais – a três ou quatro mãos, para comunicar, deixar um legado e representar pictoricamente e aquilo que viviam e que não poderia ser transmitido através das palavras ou da escrita. De fato, o pictograma precede historicamente à escrita, como antes assinalado.

A hipótese que se apresenta neste trabalho é que o pictograma grupal facilitaria a comunicação entre os membros de um grupo; promoveria associações livres verbais e gráficas, apresentaria fantasmas, desejos, medos comuns e compartilhados; relataria aspectos individuais e singulares e aspectos grupais e institucionais. O pictograma grupal, como mediador terapêutico permitiria aceder a conteúdos recalcados, construir sentidos e elaborar situações de crises vividas pela configuração vincular (família, grupo, instituição). Este recurso parece mostrar-se útil principalmente quando o “dizer” resulta ameaçador. Ao mesmo tempo, pode ser muito útil para trabalhar em contextos institucionais, em especial dispositivos de saúde mental, em intervenções com sujeitos que vivem uma situação traumática, em grupos de acolhida, em processos psicoterapêuticos com pacientes que precisam de recursos mediadores para facilitar o acesso a representações de palavra, entre outros.

 

1. O Mundo Contemporâneo e as Situações De Crises

Na atualidade o psicanalista, não necessariamente é chamado para cuidar de um paciente, pode ser levado para intervir no espaço familiar ou social, em circunstancias onde surgem situações de falha ou trauma numa conjunto vincular, grupal, comunitária ou institucional. O mal-estar no mundo moderno requer de um psicanalista que pense a clínica, os conceitos e processe a maneira como esse mal-estar introduz novas formas de sofrimento. Desde a clínica psicanalítica, parece necessário introduzir mediadores terapêuticos como a dramatização do quotidiano, os contos, o espaço-grama, a foto-linguagem, o pictograma, que permitiriam restituir funções psíquicas quebradas pelo impacto da dor ou da crise. É necessário permitir que os sujeitos sejam capazes de encontrar aquilo que nutre seus sonhos e aquilo que os impede se sonhar ou se ilusionar – ilusão fundadora do estar junto com – no sentido que Anzieu (1986) propõe.

A psicanalise descoberta por Freud evidenciou o paradigma da histeria e os processos neuróticos como modelo de sofrimento psíquico, descobriu o valor do dizer para si, para o outro, em transferência e de resignificar o dito e o não dito, o repetido. O paradigma psicanalítico clássico valoriza a palavra e o trabalho com o individuo e com seus complexos intrapsíquicos próprios do sofrimento neurótico. Na atualidade, sobre diversas nomeações, novas maneiras de sofrimento psíquico aparecem como patologias descritas desde a psicanalise: o vazio, as adições, a atuação. Nas patologias do atuar, predominam principalmente a negação do “Outro” para quem se dirige a queixa. Nega-se a realidade interior, as representações mentais, o sentido da historia, os afetos e se valoriza o desempenho do “comportamento”. Estas patologias segundo Kaës trazem a marca de falhas nas funções e nos processos intermediários “entre” instancias, “entre” funções, “entre” o sujeito e o Outro. Em particular, se ressalta a falha nas funções do pré-consciente ancoradas no lugar do Outro.

Na Conferencia “O Mal-estar do Mundo Moderno, os fundamentos da vida psíquica e o Marco Metapsíquico do sofrimento Contemporâneo” (2007), René Kaës afirma que para a psicanalise a indagação sobre o mal-estar não é novo, já que Freud aponta questões fundamentais entre 1927 e 1939. O enfoque freudiano baseado em indagações que partem da clinica das neuroses e da escuta do individuo. O panorama constata: 1) novas patologias que questionam o afeto das sociedades pós-modernas; 2) o trabalho com grupos, casais, famílias “transformou as condições de acesso ao conhecimento do inconsciente e de seus efeitos de subjetividade”. Em estas condições parece difícil continuar sustentando uma concepção endógena da psique.

“O trabalho psicanalítico em situação de grupo mostra em efeito como o que denomino garantes metapsiquico da vida psíquica formam o marco e o transfundo desta. Eu gostaria dizer com isto as proibições fundamentais e as leis estruturantes, as marcas identitarias e as representações imaginarias e simbólicas, as alianças, os pactos e os contratos que asseguram por sua vez os princípios organizadores do psiquismo e das condições intersubjetivas sobre as que se apoia.” 2 (Kaës, R., 2007, p. 3)

Constatar que para um individuo se constituir como sujeito é fundamental o vínculo com o outro, o laço social já havia sido esboçado por Freud em Psicologia das Massas e analise do eu (1920). Aquilo que Kaës enfatiza é que uma parte do trabalho da vida psíquica se inscreve os vínculos intersubjetivos primários e no laço social. Utiliza e define os garantes meta-psíquicos como “as formações e os processos do meio psíquico circundante sobre os que apoiam e se estrutura a psiques de cada sujeito” (proibições, leis, marcas, representações, alianças, contratos). Conclui que as falhas, faltas ou desorganização de aquilo que garante o laço social (alianças, pactos, contratos) coloca em crise os “garantes metapsíquicos”: “afeta as organizações” psíquicas mais sensíveis aos efeitos da intersubjetividade: as proibições fundamentais implicadas na formação das identificações e dos processos de simbolização, no acesso a palavra e ao pensamento […] na constituição da alteridade interna e externa (Kaës, R., 2007, p. 15).

No artigo “O Intermediário na abordagem da Cultura” (2003) Kaës apresenta o conceito de intermediário e discute algumas questões próprias desse mal-estar no mundo moderno e suas principais transformações. Sublinha que o mal-estar do mundo moderno apresenta mudanças nas estruturas familiares, fraturas nos vínculos inter-geracionais, mudanças nas relações de gênero, transformações nos laços de sociabilidade e estruturas de poder, enfrentamentos culturais (raciais religiosas). Todas estas transformações “comprometem os fundamentos da identidade” e essencialmente afetariam as funções do intermediário no campo da vida social e cultural (Kaës, R., 2003, p. 15).  A falta ou falha se produz na articulação das denominadas funções intermediarias.

“A patologia à qual nos referimos concerne cada vez, mas frequentemente a uma falha (défault) nos processos de apoio, as perturbações da continuidade e das fronteiras do si mesmo, as carências de funções intermediárias e sobre tudo das funções mediadoras do pré-consciente. Na medida em que as formações intermediárias não realizam, mas seu papel, estas perturbações e estas carências agravam uma serie de situações. Referimo-nos as dificuldades de integração das pulsões no espaço psíquico e no espaço social; o excesso de estimulações que colocam em xeque a formação do recalque; a violência descontrolada; as perturbações do pensamento e a submissão esmagadora dos ideais arcaicos.” (Kaës, R., 2003, p. 16).

Não se trata de um trauma psíquico, intrapsíquico, como o descoberto por Freud com o paradigma da histeria. Kaës aponta a falha nos escoramentos mútuos, nos conjuntos narcisistas, os contratos intersubjetivos. O escoramento[5] (étayage) seria o apoio mutuo dos egos, que inicialmente se daria no grupo primário e, posteriormente, nos grupos secundários, como uma rede de apoio. Para o autor, as patologias estão vinculadas as falhas do pré-consciente em suas funções de intermediar. Estas falhas se expressam em dificuldades e confusões entre o dizer e o atuar, prevalecer o ato violento, o não pensar, o reagir com raiva, gritar, insultar como modalidades que tem como função a exigência de não pensar.

Na conferencia “O grupo e o trabalho do pré-consciente em um mundo em crise” (1995), Kaës apresenta o valor do pré-consciente para trabalhar e pensar os processos grupais. O pré-consciente é a instancia que permite a elaboração, transformação, regulação dos conteúdos inconsciente e permite devido aos processos associativos que aquilo que é ininteligível seja transformado em um conteúdo legível. O intermediário, o grupal e o sofrimento estariam intrinsecamente interligados da seguinte maneira:

“A primeira, que o sofrimento psíquico do mundo moderno é um sofrimento das formações intermediarias, dos processos de ligação intrapsíquico e das configurações de vínculos intersubjetivos. A segunda ideia é que o estudo grupal do psiquismo pode aporta à inteligibilidade do mal-estar do mundo moderno alguns dados originais, e que pode propor maneiras de tratar o sofrimento, mas precisamente os desarranjos patológicos que travam a capacidade de amar, de pensar, de brincar e de trabalhar.” (Kaës, R., 1995, p. 77)

Kaës (1979) afirma que a vida do homem transcorre entre rupturas e suturas: “[…] em este espaço do “entre”, de vivas, rupturas y mortais suturas, de fraturas mortificantes, de uniões criativas, em este espaço do transicional […] se jogam todas as transformações do social, o mental e o psíquico” (Kaës, 1979, p. 11).  Na situação de crise se observa que o articulado e o vinculado se rompem; a continuidade se torna descontinua; perante as formações paradoxais e de compromisso surge o incremento dos antagonismos, desordens e conflitos catastróficos; perante a ambivalência, a cisão, no lugar da organização a desorganização; no lugar da criação a dispersão; no lugar do unir, juntar, agrupar a individuação. O trabalho dos sujeitos em grupo quando vivenciam uma situação de crise permite o restabelecimento das fraturas provocadas pela irrupção repentina provocada pela ruptura. Puget (1991) destaca ao grupo como o espaço da intersubjetividad, lugar privilegiado de produção de articulações do descontinuo e da diferença (Puget, J., 1991, p. 15 – 16). De outro lado, Kaës (1979) na Introdução ao Analises Transicional enfatiza a desaparição dos garantes da ordem, do humano, e alude a uma crise multidimensional a qual nos deveríamos sobreviver. Sintetiza que, no sentido religioso, o homem atual vive talvez em constante “desesperança”. É a falta de desejo, a impossibilidade de pensar, de esperar que outro possa dar suporte, sustentação ao sofrimento.

Talvez seja possível afirmar que é “sem esperança” chegam os pacientes para ser atendidos nos estabelecimentos de serviço publico (ambulatórios de saúde mental, hospitais dia, centros de atenção psicossocial, centros de saúde, clínicas escola, entre outros). Provavelmente, estes pacientes devam se perguntar se será possível “que alguém possa escutar meu sofrimento” “que encontre algum sentido” ou “será que serve para algo encontrar algum sentido” “será que alguém pode curar as minhas feridas”. Nos serviços de saúde, podem ser encontrados muitos pacientes que esperam ser atendidos em consultas medico-psiquiátricos que têm uma duração máxima de dez minutos. Pacientes que enchem as salas de espera e as listas dos que aguardam por uns minutos de atendimento, paradoxalmente, com a esperança de serem cuidados e de que sua dor seja aplacada com algum miraculoso remédio, prometido pelos avanços farmacológicos que oferecem felicidade, vida sexual satisfatória e potencia. De um lado a falta de esperança; de outro, a impossibilidade de pensar, já que uma vez rotulados (síndrome de pânico, depressão, Toc) e medicados, os problemas parecem ser vividos como resolvidos, como se junto com o remédio se apagasse também a existência de uma vida psíquica, de um mundo interior. Os pacientes se conformam com aplacar o sofrimento com qualquer “comprimido” que lhes de a sensação de não estar vazios, e que lhes permite ter a ilusão de que alguém os cuida. De outro lado encontramos o profissional que atende, geralmente, sobrecarregado de demandas, com exigências de produtividade, com a necessidade de cumprir metas numéricas, e que acaba lhe resultando mais fácil, menos trabalhoso “medicar” no lugar de escutar ou fazer falar o paciente sobre aquilo que lhe incomoda. É desalentador, mais infelizmente verídico, que um médico-psiquiatra, seja capaz de perguntar a paciente: “quer falar ou quer que lhe entregue uma receita?”. Não é fácil reconhecer que, ao parecer, não é só o paciente que não deseja pensar ou olhar para seu mundo interno, conjuntamente também encontramos profissionais saturados de demandas, que elegem medicar, esconder o problema e não olhar para as “feridas”.

 

2. O trabalho com grupos e os objetos mediadores

Trabalhar as situações de crise em grupo é fundamental, devido à presença do outro ser facilitador em reconstituir as falhas causadas pelo rompimento do “entre” próprio da ruptura provocada pela situação de crise. Kaës (2010), entrevistado por Jaroslavsky, assinala:

No plano terapêutico, pode-se compreender que os dispositivos de grupo oferecem grandes possibilidades de neo-escoramentos e em particular para os sujeitos que sofrem de patologias limite para os que o déficit da estrutura narcisista reenvia às falhas no contrato narcisista. Esta propriedade do grupo de promover processos de sustentação, escoramento psíquicos fundamentais, às vezes, com o risco de alienação e de falto self (fazer corpo e participar de umesprit de corps, espirito de corpo, acordar mutuamente um lugar, autogerar-se, viver uma ilusão grupal) tem sido longamente utilizados pelas terapias grupais denominadas corporais ou pelos objetivos re-adaptativos ou corretivos. O trabalho psicanalítico no grupo tem outro objetivo devolver ao sujeito presente a historia dolorida de seus escoramentos e dispor para seus processos de auto-escoramento, sem se alienar no grupo. As técnicas de mediação são a miúdo um bom meio para prover de um apoio sensorial a este processo. Mas sempre é necessário ter presente “in mente” que o escoramento é mudo, ou fora da palavra e é este déficit da palavra verdadeira que tem acompanhado a carência fundamental destes sujeitos (negrito nosso)(Recuperado em: Psicoanálisis intersubjetividad, Numero 5, 2010).

No trabalho com grupos com sujeitos que viveram uma situação repentina e impactante se observam sintomas corporais; passagens ao ato; e impossibilidade de nomear o vivido. Em estes casos, brindar um espaço de acolhimento grupal com o uso de objetos mediadores como a dramatização do quotidiano, a foto-linguagem, o pictograma permite as pessoas poder representar, simbolizar e expressar o sofrimento; reconhecer os pontos de fratura e elaborar a situação traumática vivida. De maneira a poder encontrar saídas possíveis e promover transformar a dor em momentos criativos. Neste sentido, o grupo é o espaço ideal de articulação da malha ou do tecido rasgado pela crise. Quando os membros de uma configuração vincular (família, grupo ou instituição) já constituído ou por se constituir vivem uma situação de crise, se observa uma dificuldade muito grande em expressar o vivido. Em este sentido, o uso de mediadores terapêuticos permite a emergência de representações figuradas e sensoriais que favorece processos de elaboração daquilo silenciado pela dor.

Como situação limite do silencio, do impedimento de falar, gostaríamos de relatar uma intervenção de cuidado e preparação de um grupo de jovens e adultos que realizariam uma viagem denominada Marcha da Vida[6]Propôs-se ao grupo dos participantes que em pequenos grupos se pudessem armar e dramatizar uma situação que representasse alguma cena que eles imaginavam poder viver na experiência da viagem. Em todos os pequenos grupos foram representadas cenas semelhantes, sem eles terem se comunicado entre eles ou chegado algum acordo. Os participantes não usaram a voz, a palavra, só dramatizaram através de gestos: de horror, de espanto, e, enquanto dramatizavam, entre eles se olhavam como se estivessem buscando, no outro, um olhar que os sustentasse. Esta dramática representação evocou em eles a ausência da palavra, o silencio de alguns dos avos, a pergunta que nunca era respondida, o aturdimento dos pais que nada compreendiam nem perguntavam, devido a que desde crianças, havia uma proibição implícita em não tocar assuntos como saíram, quando e de onde vieram esses pais. Eles puderam expressar também o desejo de poder resgatar um pedaço da historia perdida, recortada, apagada, uma historia que, evidentemente, era fundamental nas suas vidas e não podia ser falada.

O termo mediador, etimologicamente vem da palavra mediação, do latim mediare, que significa “mediante” “ao meio de”, “entre um e outro”. A mediação tem a função de separar e religar, intermediar. O objeto mediador de acordo com Kaës (2002) tem as seguintes funções: 1) restabelece uma ligação de sentido, como laço, transforma conjunta e correlativamente o espaço intrapsíquico e o espaço intersubjetivo; 2) implica uma representação da origem entre o pai e a mãe, uma figuração da conjunção e da disjunção; 3) inscreve- se na problemática dos limites, das fronteiras e demarcações, os filtros e as passagens; 4) opõe- se ao imediato no espaço e no tempo do registro do imaginário, da violência do corpo a corpo, da passagem ao ato; 5) suscita um marco espaço-temporal, espaço entre dois ou mais espaços, gera uma temporalidade um antes e um depois, entre o ausente e o presente, uma sucessão, e se inscreve como processo de transformação; 6) oscila entre a criatividade e a destrutividade, permite explorar o espaço interno e o espaço externo, o espaço singular e o comum e compartilhado. (In Chouvier, B., Kaës, 2002, p. 13-14) [7]

O célebre “jogo do carretel” estudado no texto “Mais além do princípio do prazer” (Freud, 1920), como sugere R. Kaës descreve de que maneira uma criança utiliza um “carretel” para representar a ausência e o retorno da mãe. O “carretel” é usado como um objeto intermediário[8], que permite: aliviar a angústia perante a ausência; estabelecer uma passagem entre o pai e a mãe; figurar a conjunção e a disjunção; convocar a presença do ausente (pai e mãe). Conceitualmente, os processos ou funções intermediárias, assim como a mediação assumem funções de: restabelecer uma ponte entre dois espaços quebrados, renovar, transformar e permitir a simbolização.

Os objetos mediadores utilizados em processos terapêuticos, como brincar, modelar, a música, a colagem, os contos a foto-linguagem são herdeiros do sonho; eles permitem restabelecer a capacidade de sonhar. Utilizar objetos mediadores no grupo que passa por uma situação de crise teria o sentido de poder reconstituir e transformar a dor e o sofrimento em um sonhar, construir e criar. Desta maneira, os objetos mediadores são recursos de trabalho grupal, que, de maneira semelhante ao objeto transicional de Winnicott, permitem que os membros de um grupo possam utiliza-lo, compartir juntos, uma experiência lúdica e metaforizar a dor. Alguns objetos mediadores como o psicodrama são bastante conhecidos e trabalhados desde a psicanalise com grupos (D. Anzieu, D. Widlöcher, A. Missenard, B. Duez em Francia; C. Martínez Bouquet, E. Pavlovsky em Argentina). De outro lado, psicanalistas franceses como Vacheret, Benghozi teorizam o objeto mediador a partir do objeto transicional winnicottiano. Os objetos mediadores compartem com os objetos transicionais a ideia de estar ali como objeto para ser achado ou encontrado, para fazer surgir o criado. O objeto transicional não é interno nem externo, ainda que se situe externamente, é uma primeira possessão não-eu. Surge como criado-encontrado. Permite o surgimento do simbólico.

Vacheret (1999-2013), utiliza as fotografias como objeto mediador, técnica conhecida como foto-linguagem, criada em Lyon em 1965, por  Clara Belisle y Alain Baptiste com o objetivo de facilitar a expressão de vivencias pessoais com jovens adolescentes de meios pouco favorecidos e que presentavam dificuldades para expressar suas experiências. O método consiste em escolher com o olhar uma foto de um conjunto proposto pelo coordenador; logo se deixa a foto para pode ser escolhida por qualquer outro dos membros do grupo. Em um segundo momento, os participantes reunidos tomam a foto escolhida e falam sobre falam, após o coordenador convidar os participantes para que apresentem e falem sobre sua foto o que desejem sobre ela. A foto, nesta técnica é um mediador, que ocupa um lugar de terceiro entre os sujeitos e o grupo. Com muita claridade é colocado que pode se falar sobre as fotos, sobre aquilo que elas evocam, mais não sobre si mesmo, como sujeitos ou pessoas envolvidas com as fotos. Autora propõe que as fotos possam funcionar como objetos transicionais, que formam parte do meio, da herança social e cultural, e é nelas que os sujeitos podem depositar seus aspectos internos e atribuir-lhes sentidos. Parafraseando a Winnicott “na procura do objeto encontrado-achado”, as fotos funcionariam como um ir e voltar, estar dentro e fora, e facilitariam a emergência de representações no campo da consciência. Nesse sentido, o grupo funcionaria como um portador e um contendor, já que as representações que cada sujeito tem de si, se escorariam nas representações grupais. Este recurso serve para trabalhar com grupos amplos, em situações de crises sociais e na clinica com adolescentes, com pacientes psicossomáticos, difíceis, por exemplo, dependentes químicos.

Benghozi (2010) apresenta o desenho produzido na sessão de família e propõe o espaço-grama e o geno-espaço-grama (desenho da arvore genealógica familiar) como mediadores terapêuticos. Ambos os mediadores são utilizados como a representação pictográfica do espaço familiar habitado pelos membros da família que consultam; trabalha com o espaço familiar, que, como ocorre com a imagem do corpo, pode ir sendo construída pelos seus membros. O autor considera este tipo de recursos propícios para trabalhar com pacientes com falhas no processo de figuração, que correspondem a falhar nos continentes psíquicos. De maneira semelhante ao squiggle game de Winnicott, sugere que não seja uma prescrição técnica e usa-los quando é preciso comunicar e vincular os desenhos ao dizer dos membros do grupo familiar. Estes mediadores permitiriam abrir o caminho para a representação e o discurso associativo: “as associações respeito da uma figura não são individuais, elas dão lugar a uma mobilização do pré-consciente como um desenho o um sonho narrado em uma sessão familiar” (Benghozi, P., 2010, p. 185). Outro psicanalista, Cuynet[9] (1998-2002) utiliza o desenho da arvore genealógica como uma técnica projetiva, capaz de revelar as configurações e os vínculos inconscientes familiares, da imagem inconsciente do corpo familiar. A construção da arvore permite abordar a família sobre dois eixos um o diacrônico e outro o sincrônico (aqui e agora), assim como os vínculos intersubjetivos. O desenho é produzido conjuntamente, pelos membros da família, assim ele surge como um autorretrato familiar, ou como um sonho, que apresenta sua identidade, sua solidariedade, sua coesão.

 

3. O pictograma grupal

Denomina-se pictograma grupal ao desenho ou desenhos produzidos em uma folha de papel branco, pelos membros de um conjunto de pessoas convidadas para desenharem juntas no mesmo espaço. O desenhar conjuntamente abre a possibilidade de nomear, colocar em palavras, ideias, sentimentos, desejos, medos, sonhos comuns e compartilhados. Através deste mediador é possível comunicar aspectos que, até esse momento aparentavam ser desconhecidos ou nunca ter sido compartilhado entre os membros. O pictograma grupal esta composto, geralmente, por desenhos ou imagens pictográficas que lembram uma colcha de retalhos formada por vários desenhos produzidos por cada participante ou também pode surgir uma composição única. Em crianças, psicóticos e em algumas famílias y em adultos que não compartem entre si, tarefas comuns é muito usual encontrar esse tipo de produções que lembram a colcha de retalhos, já em grupo coesos ou com histórico de compartilhamento se observam produções únicas.

Dentro de um enquadre psicanalítico vincular, o pictográfico pode ser escutado, abordado como frases, palavras, atos falhos ou lapsus. O pictograma possibilita aceder a representações de conteúdos inconscientes reprimidos, recalcados ou forcluidos. O desenho produzido na mesma folha de papel a varias mãos parece favorecer e possibilitar o diálogo entre os traços, esboços, desenhos, palavras e narrativas. Desenhar junto com outros opera como uma comunicação verbal, já que se estabelecem cadeias associativas; surgem elementos associativos que marcariam limites, e interdições, passagens de maneira semelhante ao dizer, inter-dizer, entre-dizer sugerido por Kaës (2005). Propõe-se que o pictograma grupal seja utilizado fundamentalmente, com grupos em situações de crises, atendimentos familiares, grupais no espaço da saúde mental, em: Centros de atenção psicossocial (CAPS), ambulatórios de saúde mental, hospitais psiquiátricos, programas da saúde da família, entre outros.

Aulagnier (1968) na A Violência da Interpretação introduz o conceito de “pictograma” para descrever o processo que antecede a expressão da palavra, o dizível. Para ela, a imagem antecede ao dizível como representação do processo denominado originário: “o cênico segue ao pictográfico e prepara o dizível que vai acontecer” (Aulagnier, P., 1975, 1997, p. 88). O pictograma é aquilo que Freud denomina representações pulsionais, é perante este tipo de representação que o afeto surge e a mãe, por exemplo, decodifica e lhe da um sentido ou uma palavra ao grito ou ao movimento do bebe. Representa o selo inaugural do encontro do seio e da boca, uma representação de prazer que deixa sentidos e marcas de processo psíquico. Autora é reconhecida por ter contribuído com sua obra a psicanalise vincular, com conceitos como contrato narcisista, co-recalque e o valor da mãe ser portadora da palavra do infans. Os desenhos, os traços que compõe um pictograma grupal são como a escrita de uma frase realizada com palavras, imagens e que lembram o sonho, com sua polifonia de sentidos. O desenho apresentar figurações muito próximas daquilo que Aulagnier descreve como processo originário, evoca o “de mais” do qual é testemunho a criação psicótica (Brun, 2007-2009, p.216-217- itálico nosso). Autora define esse o “de mais” como um impensável, um “antes” que ficou “fora do campo”, “incognoscível, más, não irrepresentável”, sobre tudo, a partir, do discurso psicótico. Por isso, Brun afirma que “atividade do originário desempenha um papel fundamental no seio das mediações terapêuticas na psicose” (Ibidem, p.216-217- itálico nosso).

 

3.1 O desenhar em contextos vinculares

Desenhar em uma situação vincular remonta, na psicanalise, a utilização do desenho para expressar uma situação vivida por uma criança – o pequeno Hans – material enviado ao professor Freud para corroborar algumas hipóteses e decifrar algum sentido. Este é o contexto inaugural do uso do desenho no contexto psicanalítico (Freud, 1909). Trata-se dos primeiros desenhos produzidos no dialogo entre Max Graff – pai do pequeno Hans- Hans e Freud de uma maneira bastante próxima à desenvolvida, posteriormente por Winnicott. O pai com ajuda dos desenhos, expõe para Freud algumas observações como a representação da residência, a localização, o caminho entre a casa e o deposito, a posição da carruagem, para exemplificar as dificuldades de Hans para sair de casa. Em outro momento, ao dialogar com Hans, o pai introduz o desenho de uma girafa, após eles terem ido de visita ao zoológico de Schönbrunn e Hans, de maneira semelhante à proposta do squiggel game de Winnicott, inclui um elemento, que considera faltar no desenho do pai e agrega: “a coisinha era maior”. Neste contexto Hans argumenta com a evidência de aquilo que tinha observado a diferença de tamanho do pene nos animais. Analisando a situação vincular estabelecida por Freud, Hans e seu pai, pode-se afirmar que neste contexto de tratamento se encontraria os primórdios do desenho como mediador do dialogo num encontro transferencial, vincular psicanalítico (Freud-pai-Hans). Esta representação pictográfica explicita algumas hipóteses sobre a sexualidade infantil, o desenvolvimento do sintoma e a fantasia.

Winnicott introduz o squiggle fame, ou jogo do rabisco como uma maneira de entrar em contacto com o paciente num encontro único, não reproduzível, na medida em que em ambos, pacientes e terapeuta, encontram e descobrem juntos conteúdos significativos que, só poderiam ser descobertos graças ao brincar de rabiscar-desenhar-rabiscar-encontrar sentidos, sonhos. Esta brincadeira se instala numa área intermedia, própria do brincar, da ilusão, do experimentar, da indagação sobre si mesmo e sobre aquilo que no brincar aparece ou reaparece, trazendo elementos novos, desconhecidos e, ao mesmo tempo conhecidos. A partir da não forma do rabisco é gerada uma forma; dá-se vida e um corpo ao rabisco que se torna uma representação geradora de sentido e conteúdo a ser trabalhado no encontro analítico. Esta experiência fundamental inspira introduzir o desenhar junto com o outro, em um encontro vincular, que neste trabalho apresenta-se sob o nome de “pictograma grupal”.

 

3.2. Contexto e utilização do pictograma grupal

Introduzimos na década de 80, os grupos de diagnostico com crianças e, posteriormente, os denominados grupos de acolhimento, com o objetivo de receber e acolher crianças no grupo, avaliar o potencial para se beneficiar de uma terapia em grupo, e resolver a entrada de crianças para um atendimento individual ou grupal. Desta maneira, evitam-se as listas de espera e os abandonos. Outra vantagem é que, nos primeiros encontros com o grupo de acolhimento é possível escutar, significar, compreender o sofrimento e propor a indicação mais pertinente (terapia individual, grupal, de linguagem, terapia ocupacional, entre outros). O desenho grupal permite reconhecer de que maneira as crianças dialogam entre si e, também observar outros aspectos, como o nível grafo-perceptivo motor, a maturidade e os conteúdos que pertencem a cada criança, a faixa etária correspondente e ao grupo como um todo. Em estes grupos, a proposta é receber as crianças para serem escutados e reconhecer suas queixas e demandas, sem acostumada espera a qual as pessoas são submetidas, nas instituições de saúde publicas ou nas clinicas escola. As crianças, ao desenharem juntas, estabelecem um dialogo entre eles e podem mostrar aquilo que lhes causa sofrimento, ou, incomoda reconhecer no desenho do colega elementos que lhes são próprios, ao contar uma narrativa sobre o produzido ou quando falam de aquilo que os levou para a consulta. Ao desenhar, parecem expor mais rapidamente os pontos de conflito, aquilo que dói. O profissional que atende pode reconhecer, com maior facilidade, as necessidades, as urgências, saber de que maneira abordar uma criança se é possível de ser agrupada junto a outras crianças, ou não, se precisa de um atendimento individual, ou se precisa ser derivado para um especialista especifico. O acolhimento das crianças em grupo é uma proposta, um dispositivo institucional que permite mostrar o valor e a utilidade do atendimento grupal, permite reconhecer as vantagens do dispositivo em dar uma resolução institucional mais rápida para as longas filas de espera, muito comuns nos serviços públicos. O mediador apresentado é uma alternativa oferecida ao processo de seleção e agrupamento de pacientes em grupo, que geralmente são atendidos em entrevistas individuais previas.

O desenho realizado pelas crianças nestes primeiros encontros permitiu verificar que, a pesar de que em muitos casos, as crianças estabeleciam limites espaciais para o próprio desenho, delineando um espaço dentro de um quadrado, verificamos que muitos desenhos aparentavam ser uma copia do desenho do colega, algumas temáticas apareciam como recorrentes. De outro lado, quando se solicita contar uma historia dos desenhos realizados, as crianças produziam na historia: 1) uma sequencia relacionada aos temas abordados pelo companheiro que precedia; 2) uma resolução de alguns temas, questões deixadas soltas; 3) a utilização concreta de elementos gráficos do desenho do vizinho para iniciar a própria historia. Quando relatada a “historia livre” solicitada, as narrativas mostram cadeias associativas grupais, marcada por sequências verbais e por associações pictográficas, surgem assim relatos como: “então o sol já tinha saído, só tem arco íris”, “esse menino que esta dentro desta casa, não sai, fica olhando pela janela porque tem medo do cachorro que está no quintal do vizinho”. O processo observado e descrito permitiu conhecer que um grupo vai se configurando e que cada indivíduo vai incluindo suas próprias fantasias, tecendo junto com o outro algo novo, inédito, que não é mais nem de um nem de o outro, num vai e vem constante.

Em cursos de formação de grupo com profissionais, introduzimos o desenho grupal como um recurso para explorar as representações pictográficas do grupo, que tipo de organizadores[10], figurações surgem; reconhecer como esses profissionais trabalham ou imaginam trabalhar com um grupo, como seria estar em grupo; que modalidades utilizam para abordar uma tarefa grupal; se cada um desenha e elabora uma questão particular, se realizam um pictograma conjunto, a partir de acordos o de maneira aleatória. A partir deste mediador, coletamos elementos para construir conjuntamente, aquilo que define o que é um grupo. Neste contexto, pode-se observar que a produção pictográfica serve de disparador para iniciar um dialogo sobre as expectativas e ideias sobre o grupal, que inclui receios, medos, sonhos e ilusões. O desenho favorece dialogar, questionar a disposição para realizar um curso de formação, a comunicação entre os membros, participar e compartilhar, entre outros aspectos necessários para se trabalhar o grupo.

Quando uma instituição demanda uma intervenção, em geral acontece quando vive uma situação de crise, provocada por circunstancias não sempre explicitas, vividas com mal-estar, e que durante o processo precisam ser descobertas e verbalizadas. O pictograma grupal possibilita tornar cristalina a emergência de conteúdos desconhecidos e a situação de conflito. Nos encontros iniciais, é muito comum que as pessoas tenham medo de falar, receios de expor perante o colega ou o chefe as dificuldades vividas. Desenhar neste contexto parece menos comprometedor. El processo de intervenção favoreceria estabelecer pontes entre a situação atual e a historia do grupo, entre a necessidade de ajuda e deixar que a situação fique como esta, entre o passado e o futuro, entre o individuo e o grupo, e entre o grupo e as instancias institucionais. O pictograma grupal parece retratar o vivido, por cada um dos membros, o grupo e a instituição. Em esta experiência é surpreendente ver surgir através dos desenhos, em pequenos detalhes, em frases associadas, de aparente pouco valor, a essência do sofrimento institucional ou aquilo que suscitou a demanda de intervenção.

No primeiro encontro em uma instituição de abrigo para crianças em situação de vulnerabilidade, pode-se detectar a dificuldade vivida pela equipe que sentia que os membros da instituição estavam divididos entre os profissionais, que tinham cargos de valor e aqueles dedicados ao cuidado das crianças. Um dos desenhos que realizaram, representava uma arvore que separava, de um lado, as crianças brincando, com cuidadores do lado deles e, de outro, os educadores, e o diretor dentro de uma casa separada por um grande tronco. Enquanto descrevem e narram uma historia, um dos membros do grupo inicia um traçado de um caminho que unia ambos os espaços, estabelecendo uma ponte. Algumas associações surgem sobre as expectativas da intervenção, os medos e os desejos de viver vínculos mais fluidos, com uma melhor comunicação, entre esses segmentos, vividos por eles como separados. Graças às cadeias associativas, que unem os pictogramas as palavras, o simbolizado poder falar sobre alguns “ruídos” institucionais, aquilo que os paralisava, e de aquilo que motivou a demanda de ajuda.

 

4. O pictograma grupal como proposta para o trabalho com grupos em serviços de saúde mental

É nas entidades de serviço publico onde surgem as primeiras experiências com grupos com H. Pratt (1905) em hospital para tuberculosos, Trigant Burrow (1914), Moreno (1930). Em América latina, nasce também nos hospitais, com (Experiência de Rosário) e Bleger, na década de 50. O trabalho com grupos em instituições de saúde mental, embora seja uma das propostas programáticas nas ultimas quatro décadas no Brasil, ainda parece ser foco de resistência de um lado por parte dos pacientes e de outro dos profissionais, resultado de isto é o insuficiente reconhecimento. Em serviços de saúde mental algumas situações são evidentes: 1) a maioria dos pacientes que consultam deseja ser atendidos no espaço intimo e privado de uma consulta individual, devido a não conhecer o valor do trabalho com grupos, por não ter tido a experiência e ou por pré-conceito; os profissionais não valorizam ou não se sentem aptos para o trabalho com grupos, devido a uma insuficiente formação, e acabam atendendo individualmente; 3) quando atendem em grupo, geralmente, escutam e abordam a cada sujeito de maneira individual, sem tomar em conta ao grupo ou contextualizar a produção associativa grupal; 4) como referencial teórico, prevalece uma maneira de entender a psicopatologia como originada por uma falha na constituição do mundo interno, devido a fatores hereditários, sem considerar a intersubjetividade, ao Outro na constituição do psiquismo e do sofrimento.

Os limites para trabalhar com grupos parecem provir de alguns preconceitos e desconhecimento da população, e a insuficiente formação profissional – psicanalítica ou não – que valoriza uma leitura do sofrimento psíquico sem considerar ao outro como constituinte.  No trabalho com crianças e com psicóticos, a família, muitas vezes é reduzida ao lugar de quem produz o sofrimento, devido a que “o pai ou a mãe foram ausentes” “porque não frustraram”, “não colocaram limites” “tinham um tio psicótico”. Dentro desta logica, o profissional se coloca no lugar do saber, com uma tendência usual a considerar necessário “orientar” os pais, indicar procedimentos ou maneiras de “corrigir” desvios. Em alguns serviços, se trabalha com grupos, que essencialmente tem conotações pedagógicas, oficinas de atividades que utilizam mediadores terapêuticos, coordenadas muitas delas por psicólogos que, não realizam nenhum tipo de intervenção terapêutica. Outro aspecto que cabe destacar o uso da palavra como critério de seleção e agrupamento dos pacientes para um grupo: se agrupa, geralmente, aqueles com melhores recursos, os menos regredidos. Cabe se perguntar por que, se atende um numero reduzido de grupos, se desde a década de 80, no Brasil, as ações programáticas resgata e da prioridade ao trabalho com grupos. De outro lado, se em pacientes graves, a fala esta comprometida, porque não dar um espaço para brincar ao “como si”, oferecer mediadores terapêuticos como o pictograma grupal, a argila, para permitir a emergência de conteúdos psíquicos inconscientes. Alternativas possíveis para trabalhar o paciente, suas famílias, em enquadres vinculares, dentro das instituições de saúde mental publicas.

Um grupo de enfermeiros e técnicos de enfermagem de um hospital psiquiátrico, que participavam do reinicio de uma supervisão clinico-institucional[11], quando convidados a desenhar, produziram cada um, um desenho. Todos eles remetiam a cenas da natureza (flores, árvores, uma casa no meio do campo). Uma vez concluído seus desenhos, solicitados para associar, enunciam alguns aspectos que parece melhor apresenta-los, assim dizem: “essa flor mostra como sou eu, gosto da beleza, da calma”; “esse lugar me lembra a minha infância”; “essa é um rosa, com flor e com espinhos, às vezes, sou como uma flor, outras como o espinho”; “essa onda gigante lembra aquela que submergiu todo mundo”; “isso não é uma grama, isso é um pântano”. A partir do produzido pelo grupo, as pessoas puderam dizer como sentiam que o trabalho com pacientes psiquiátricos, os desafios do dia a dia; as mudanças do humor dos pacientes, dos colegas, e as interferências destes sentimentos no trato com os pacientes. A maneira como surgiam situações imprevisíveis, que pareciam submergir eles em um pântano ou serem vitimas de um tsunami.

Em outro contexto, um grupo de profissionais de saúde mental, composto por seis psicólogos, solicitou uma intervenção para discutir o trabalho com grupos. A equipe contava com psiquiatras que não participavam das reuniões de equipe, eles apenas assistiam as suas consultas e medicavam os pacientes, dificilmente discutiam os casos. Todos os membros desta equipe trabalhavam com grupos e desejavam pensar suas praticas, discutir algumas admissões, e que lhes sugerisse alguns textos de leitura. Estabeleceu-se um contrato com sete encontros, que poderiam ser renovados. No primeiro encontro, propusemos que eles desenhassem juntos em uma mesma folha de papel.  Após estranharem a proposta, se olhavam, não sabiam se sentar no chão, ou em frente a uma mesa, buscar um lugar para os cadernos, notebooks; e um tanto incomodados, com a proposta aceitaram desenhar. Embora este aparente mal-estar, se incorporam sobre o papel, e começam a se olhar, sem surgir um pensar ou dialogar sobre uma proposta que estabelecesse um rumo do que poderiam fazer. Quase automaticamente, começam a desenhar no papel, com os crayons e fazem formas que lembram rabiscos arredondados, formas que iam ao encontro das outras linhas ou das mesmas, fechadas para o centro. Um dos participantes marcou uma flecha dirigida ao encontro de uma forma, e assim começaram a entrelaçar os rabiscos e traços multicoloridos, o que criou um efeito de uma “pintura abstrata”, cheia de cor e de vida. Após concluir, alguns comentários se encadeiam e surge: “monte de coisas, um trabalho emaranhado, as coisas não são muito claras, ou definidas, um pouco confuso, há beleza, cores vivas”. Uma questão que surgiu é se estava sendo invadido o limite do companheiro. E, um deles diz que, gostaria de entrar nos desenhos dos outros, com a intenção de “me juntar com os outros”, uma “mistura”, um “intercambio”. Em este momento, os membros do grupo falam dos limites, da necessidade de ter propostas mais claras, de como havia espaços de confusão dentro do serviço e da necessidade de poder estabelecer limites ao trabalho, com propostas e delimitar as funções de cada um dos participantes da equipe. A impressão é que se sentiam “soltos”, “perdidos” “pouco amparados”, em um emaranhado de situações que, não estavam muito claras, nem definidas e que provocava certa confusão.

No dia que fechávamos a nossa intervenção com eles – discussão de casos e estúdio alguns textos sobre grupos -, realizamos novamente uma sessão com o uso do pictograma grupal. Esta vez, a equipe se organizou e começou a dizer e definir o que gostariam de realizar juntos: uma casa, com uma lareira que sai muita fumaça. Não desenham nada animado, e comentam que, a pesar de não ter pessoas, havia muita fumaça, que significava que algo se cozinhava ou queimava, e que, por tanto existia atividades e vida humana. Um dos membros lembra a casa dos três porquinhos,“que era de tijolos, forte para que o lobo feroz não se levasse a casa com um sopro”. Entre os comentários surge à necessidade de colocar nomes ao que se faz delimitar espaços, poder dizer o que se faz juntos, estabelecer tarefas que são comuns e especificas. Desenham um sol e umas gotas de chuva, e fazem referencia as pressões que recebem e ao calor que mostra que nem sempre as tarefas são pesadas, e que, muitas vezes, sentem bem entre eles. Do desenho inicial das diversas formas entrelaçadas, neste ultimo encontro, eles delineiam e constroem espaços, conversam sobre aquilo que necessitariam para ser uma equipe, para não estar cada um deles, solto dentro do seu próprio espaço, precisaram que seria necessário estabelecer algumas alianças e pactos com os diversos colegas, profissionais de outros setores que encaminhavam seus pacientes e não permanecer isolados dentro do Hospital.

 

5. Conclusões

  1. O mundo contemporâneo evidencia situações próprias de um precário trabalho do pré-consciente e das funções intermediarias. Se a ruptura traz consigo falhas para expressar verbalmente e elaborar o vivido, introduzir mediadores terapêuticos como o pictograma grupal contribui com novas estratégias de abordagem de grupos em situações de crises, rupturas provocadas pela precariedade dos garantes psicossociais.
  2. O pictograma grupal produzido em situações de crise mostra ser um mediador útil, devido a facilitar a emergência de conteúdos inéditos e significativos que podem ser trabalhados como manifestações do sentir, do pensar e do atuar de cada um dos membros do grupo, e do grupo assim reunido. El objeto mediador, assim como o objeto transicional de Winnicott permite reunir o interno e o externo, o próprio e o compartilhado, o semelhante e o diferente, o individual e o grupal, o grupal e o institucional. Da mesma maneira, os pictogramas representam elementos inconscientes e conscientes, sentimentos e vivencias compartilhadas, formações que representam o espaço intrapsíquico singular e o espaço intersubjetivo plural, vincular, comum e compartilhado.
  3. Elementos surpreendentes surgem através do “pictograma”, representações que seja como traços, desenhos, rabiscos surgem como um “lapsus”, aparentando não ter “nada que ver” com o conjunto, mas uma vez associadas a uma “palavra” ou uma “frase” permitem reconhecer elementos inéditos, desconhecidos, não pensados.
  4. pictograma grupal, os desenhos produzidos no mesmo espaço, realizado de maneira conjunta, facilita estabelecer um dialogo entre os diversos traços, esboços, desenhos, palavras, sonhos, narrativas; propicia elaborar e transformar o sujeito singular, as relações intersubjetivas, o grupo e a instituição, graças aos efeitos da intersubjetividade e interdiscursividade.
  5. Este mediador é fundamentalmente útil, quando os membros de uma configuração vincular – uma equipe de trabalho, grupo de pacientes, uma família – atravessam dificuldades em verbalizar, simbolizar e elaborar o vivido, devido ao impacto do sofrimento psíquico.
  6. No trabalho com profissionais que cuidam de pacientes psiquicamente perturbados, utilizar este mediador terapêutico contribui para explicitar e transformar as dificuldades que vivem com seus pacientes, como equipe e com a instituição, assim como verbalizar e reconhecer saídas possíveis. Simultaneamente, estes podem ser capazes de reconhecer, constatar a eficácia do recurso e usa-lo no trabalho com grupos de pacientes e com famílias.

 

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Resumo

Este trabalho apresenta o uso do pictograma grupal como um mediador terapeutico que propicia a comunicação entre os membros de um grupo, que vivem uma situação limite, traumática ou de crise. O acesso ao dizer, à palavra é difícil quando o sujeito é impactado pelo sofrimento, pelo inominável. O desenhar junto com outro estabelece uma comunicação de sentido e favorece o acesso a conteúdos inconscientes. Os objetos mediadores parecem ser recursos de utilidade, como vem demonstrando os aportes de C. Vacheret, com a foto linguaje; y P. Benghozi, com o espaço-grama. Teoricamente se fundamenta em aquilo que R. Kaës identifica como marca da nossa contemporaneidade: a falha das funções do pré-consciente e dos apoios mútuos (nas patologias limites, na crise). Por isso, os grupos teriam a vantagem de serem espaços de neo-escoramentos que se beneficiariam com “mediadores terapêuticos” que dariam um apoio sensorial ao processo, necessário quando a palavra é silenciada, como se constata na prática com sujeitos que vivem situações limite.

 


Palavras chave

pictograma grupal, objeto mediador, situação de crise, trabalhador da saúde mental.

 

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Resumen

Este trabajo presenta el uso pictograma grupal como un mediador terapéutico que propicia la comunicación entre los miembros de un grupo, que viven una situación límite, traumática o de crisis. El acceso al decir, a la palabra es difícil cuando el sujeto es impactado por el sufrimiento, por lo innombrable. El dibujar junto con otro establece una comunicación de sentido y favorece el acceso a contenidos inconscientes. Los objetos mediadores parecen ser recursos de utilidad, como vienen demostrando los aportes de Vacheret, con el foto-lenguaje; y Benghozin, con el espacio-grama. Teóricamente, se fundamenta en aquello que Kaës identifica como rasgo de nuestra contemporaneidad: la falla de las funciones del preconsciente y de los apuntalamientos mutuos (en las patologías límites, en la crisis). Por ello, los grupos tendrían la ventaja de ser espacios de neo apuntalamientos que se beneficiarían con “mediaciones terapéuticas” que darían un apoyo sensorial al proceso, necesario cuando la palabra es silenciada, como se constata en la práctica con sujetos que viven situaciones límite.

 

Palabras clave

Pictograma grupal, objeto mediador, situación de crisis, trabajador de la salud mental.

 

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Abstract

This work presents the use of pictogram group as a therapeutic mediator, which facilitates communication among members of a group, living a limit, traumatic or crisis situation. The access to say a word is difficult when the subject is impacted by suffering, by the unnamable. Drawing together with another one sets a communication of meaning and encourages the access to unconscious contents. The mediator objects seem to be resources utility, as demonstrated by Vacheret contributions, with the photo language; and Benghozi, with the space gram. Theoretically, based on what R. Kaës identifies as a feature of our contemporary: the lack of the functions of the preconscious and the mutual (in the limit pathologies, in the crisis).Therefore, the groups will have an advantage of being placed in therapeutic mediations that will give a sensory support to the process, necessary when the word is silenced, as it was demonstrated in the practice with subjects living in limited situations

 

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Key words

Group pictogram – mediator object –  crisis situation – worker of his mental health.

 

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Notas

[1] Primo Levi, refere repetir aos filhos ou que a casa se derrube. Neste caso, ao repetir é uma forma de elaborar o trauma de maneira semelhante ao proposto por Freud (1920). Por outro lado, desde Winnicott o derrubamento – fratura y caída – se refere a uma experiência já vivida quando ainda se é incapaz de elaborar o trauma. Esta sensação é semelhante ao medo à loucura, à morte, ao aniquilamento. Esta experiência não é accessível à palavra o a lembrança, só é possível ser trabalhada a partir da experiência psicanalítica. [retorna]

[2] Utilizamos a palavra acolhimento para referir à função de holding do terapeuta, do grupo, da instituição. Com o termo holding, Winnicott refere-se à mãe que pode se identificar com seu bebê e ser capaz de prover um ambiente físico que de suporte. É uma situação análoga a quando o terapeuta é capaz de se identificar com seu paciente e prover um ambiente de amparo, uma função sustentadora.[retorna]

[3] Em nota, um suicida da France Télécom escreve: “Suicido-me por causa da France Télécon. É a única causa da minha morte voluntaria. Não posso mais com as urgências permanentes, o trabalho excessivo, a ausência de formação, a desorganização total da empresa. Os diretivos praticam o “management” do terror. Essa maneira há desorganizado minha vida tem me perturbado. Prefiro acabar. Colocar um fim na minha vida”. No total, mais 25 funcionários da mesma empresa optaram por dar fim a sua vida. [retorna]

[4] “bem-dita” para referir a “bendita” ou abençoada. Palavra que traz à luz da obscuridade o reprimido, recalcado, forcluído[retorna]

[5]Traduzimos a palavra étayage em francês, apuntalamiento em espanhol como escoramento. Conceito que tem um sentido de apoio, sustentação. Para Kaës esta função é sempre no “inter”, o escoramento é no corpo, na mãe, no grupo. Trata-se de amparar, dar sustento, mais ao mesmo tempo, o outro tem uma função semelhante. Um escorado outro escorando. [retorna]

[6] A Marcha da Vida é um projeto da comunidade judaica que se propõe resgatar a memoria coletiva e coloca em pratica a ideia de lembrar para não repetir. Há 20 anos um sobrevivente do Holocausto criou a Marcha da Vida para contar aos mais jovens a história da Shoá e refazer o percurso entre Auschwitz e Birkenau, feito a pé pelos prisioneiros, um caminho sem volta.[retorna]

[7] In Chouvier, B, 2002, Les Processus Psychiques de la Médiation, ParisDunod[retorna]

[8] Entende-se que o “carretel” é simultaneamente também um objeto mediador.[retorna]

[9] Cuynet P. (1998), Le dessin familial de l’arbre généalogique, Dialogue, 140, 6-20.[retorna]

[10] Kaës, en el Aparato Psíquico Grupal (1976) plantea que existen organizadores psíquicos y socioculturales[retorna]

[11] Denominamos supervisão clínico-institucional, à supervisão que toma em consideração aspectos do instituído, do institucional que, atravessa o discurso do paciente e do terapeuta.[retorna]